22/12/2010. Do interior dos trens da Central do Brasil, Baixada Fluminense, década de 1970, com minha caixa de picolés, que vendia a 100 cruzeiros novos, observava o mundo correndo lá fora. Logo aprenderia que também teria de correr com a minha vida.
23/12/2010. Pensei que minhas vendas bateriam um recorde; tomei o trem que saíra lotado da Central para os bairros dormitórios. Logo percebi que sofreria aperto pela má estratégia. Pendurada na altura do abdômen, minha caixinha de picolé não suportaria a pressão de gente espremida no interior do vagão. Nos primeiros krec-krec do isopor, um salvador... Um homem altíssimo, de uns 90 centímetros a mais do que eu, levantaria minha caixinha para o único espaço disponível; logo acima de minha cabeça. Ali, e só ali havia espaço para enchimento - acima de minha cabeça.
24/12/2010. Naquele aperto, como se fôssemos os próprios picolés estocados de pé na caixinha de isopor, meu corpo só voltaria a se movimentar quando o trem encostasse na próxima estação suburbana. Nilópolis estaria logo ali; a uns 5 minutos de pressão humana. Então eu respiraria com mais liberdade, e até expressaria algum alívio. Afinal, o faturamento do dia estaria assegurado, minha caixa estivera a salvo, equilibrada sobre minha cabeça, e amparada pela mão daquele senhor humilde, um homem moreno escuro, de pele ressecada, de cabelo crespo, com duas entradas de calvície já se acentuando; um tipo pedreiro como o meu pai em breve se tornaria. Um pedreiro acostumado a assentar tijolos assentou sobre minha cabeça as minhas esperanças do dia... Será que meu pai também estaria naquele trem? Ele trabalhava de impressor em uma grande oficina barulhenta, porém muito famosa. Meu pai era operador de máquinas do jornal O Globo.
25/12/2010 - Com os movimentos de pernas e braços paralisados, por pressões de todos os lados, no confinamento daquela massa humana em um vagão de trem, a um menino abaixo de um metro de estatura só lhe resta leves movimentos dos olhos; a avistar nada, senão as imagens mentais de uma tragédia na estação Comendador Soares, pertinho de minha casa em Morro Agudo, no enorme município dormitório de Nova Iguaçu. Aos sete anos de idade, vi pedaços dos muitos corpos esparramados entre trilhos, pedras e dormentes. No mais, trapos humanos ensangüentados, centenas de pessoas silenciadas entre a dor e o alívio de terem sobrevivido aos estilhaços e ferragens cortantes. Do terror da dor e do aperto humanos aprendi que o silêncio proclama mensagens de longa sabedoria. Olho atrás e entendo, a morte tinha de ser superada. A dor não condiz com a vida.
26/12/2010. O cortante atrito das rodas de aço contra os trilhos da estrada de ferro remetera-me daquelas cenas de morte para memórias de infantil felicidade. Minha mãe, uma mulher totalmente dedicada aos seus sete filhos biológicos, a uma filha adotiva, e a uma fé simples e temente a Deus, ainda tem uma irmã que vive em Barão de Juparaná, município de Valença, no sul do estado do Rio. Recordo-me de uma ou duas viagens gloriosas numa Maria-Fumaça que saía no escuro da madrugada de Japeri e alcançava aquela cidadezinha do tempo dos barões e escravos do café. Se a vida no céu for somente um prolongamento eterno daquelas emoções das viagens à casa da tia Ilda, terá valido muito a pena ter sobrevivido à disciplina do caminho estreito na fé de minha mãe.
Entre, o mundo interior é teu!
Neste meu mundo, dentro deste coração, você apreciará reflexões sobre a obra do Impecável Carpinteiro. Ele é aquele que não cobra pelos serviços que presta; na verdade, ele pagou ao mundo o direito de aliviar o peso do madeiro sobre os ombros de seus amigos, os viajantes da existência. Meu blog é dedicado, consagrado, a Jesus, se é que terei a honra e a competência de construir algo respeitoso ao Eterno, ao que foi morto, e agora vive. Vive e intercede por gente simples; gente que procura entender corações e mentes de outras gentes simples, modestas, espontâneas.
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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
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